terça-feira, 24 de abril de 2007

três

Que susto! Acho que era só um sonho... Gente, que horas são??, lançando um olhar desnorteado para o quarto, procurando por meu celular. Depois de poucos segundos percebi que a tarefa necessitaria um pouco mais de minúcia. Sem fazer movimentos bruscos consegui me desvencilhar do braço que me, ao mesmo tempo, aconchegava e prendia. Vesti a calcinha que, embolada no canto mais longe o possível do quarto, trazia impressões da noite anterior. Sede... Apesar de nos conhecermos há pouco tempo, acho que posso buscar-me um copo d'água.

Casa três é aquela lá do fundo ou é a primeira? Há não-sei-quantos-anos que desde sempre me confundo. Se for contar, porém, o número de casas que entrego cartas todo dia, posso me dar ao luxo e esquecer de pelo menos metade delas no dia seguinte.

Fui até a cozinha pensando onde nós iamos dar. Não gosto de água muito gelada, mas o calor me obriga a colocar, no copo, tanto gelo quanto água. O relógio marcava nove e sete da manhã. Acho que não dormi nem três horas! Fiquei mais cansada agora.

E aí, meu camarada! Não te encontrava há um tempo por aqui, hein?! Pois é, me demiti três meses atrás, mas agora voltei... Estava de saco cheio de entregar jornais todo dia de manhã! Hahaha, isso explica a hora que chega pra... E no gesto de impulso com a embalagem do periódico, o carteiro perguntou: Vais jogar o jornal pela janela?? Ah, sempre faço isso!, disse o entregador acertando-o na fresta da janela, entreaberta à três metros da calçada.

Sentei na copa para chupar o resto do gelo que derretia ininterruptamente, quando ouvi um barulho na sala. Pulei da cadeira, esquecendo completamente do cansaço: o que foi isso??? Escondi-me na cozinha a esperar o que sucederia o segundo susto do dia. O interfone, para aumentar um pouco a estranheza dos acontecimentos, soou alto naquela manhã. Entrei em pânico, pensando no homem que viria com uma arma-desse-tamanho me matar. Após um minuto apocalíptico, ele apareceu. O braço que me aconchegava. Que me prendia. E que, agora, me tentava acalmar. Eu disse alguma coisa absolutamente sem nexo, afobada. Aos poucos fui aprendendo novamente a compor frases com verbos, porém carentes de pontuação: ouvi um barulho na sala aí tocou o interfone corri pra junto da geladeira aí fiquei escondida caso viesse alguém aí... O interfone insistiu mais uma vez, um pouco mais alto que da primeira. Pois não?, atendeu o homem de braço aconchegante. Ok, um minuto por favor! Após enganchar o interfone: é o carteiro! Mas ouvi algo dentro da sala, cuidado!, insisti, vendo-o descer pelo corredor em direção à sala. Fiquei a espreitar, sorrateira, da porta da cozinha. A janela está aberta... deve ter batido com o vento!, ouvi a voz dele calmamente ao longe. Ainda assustada fui correndo colocar mais algumas peças de roupa, para ver com os próprios olhos que tudo estava bem.

Assina aqui, aqui, e - disse o carteiro, virando o papel - aqui...

Chegando na sala, o vi conversando com alguém à soleira da porta. Ufa! Com passos animados me aproximei da porta para cumprimentar meu ladrão imaginário: pai???

Um comentário:

Priscila de Oliveira disse...

a construção do texto assusta... Mas nada como ter um braço que conforta, para a calmaria voltar... A calmaria, no entanto, é prelúdio de um outro susto no final. C´e la vie...

Genial esse texto! Paradoxalmente indefinido... Um artigo (mais pra conto) indefinido, diria... =)

Sorte a da personagem, ter vestido mais peças de roupa! Hehehe

Beijocas, Flip.